Foi assim que viramos nômades…

Viver é muito perigoso… Porque aprender a viver é que é o viver mesmo… Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa… O mais difí­cil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.

Guimarães Rosa

“Pegar estrada” é sujeitar-se ao desconhecido, não só o desconhecido do mundo que se abre, mas também ao desconhecido dentro de si. Abandonar as certezas não é sempre uma decisão fácil. Mesmo tendo um comprometimento grande de encontrar respostas interessantes para as várias questões da minha vida, muitas vezes, diante da necessidade do novo, sou a primeira a relutar, a me recusar a aceitar as mudanças que eu mesma quis.

Quando começamos esta jornada, em maio de 2012, não sabíamos onde íamos parar, nem quando. Nossa plano inicial era ficar seis meses viajando, plano que rapidamente se mostrou inviável: nenhum de nós dois tem fôlego para ver tudo o que queríamos ver, em tão pouco tempo. Logo em seguida, um ano na estrada parecia tempo de menos e tempo de mais. Explico: de menos para ver tudo, conhecer as pessoas, nos aprofundar. De mais, para o Rodrigo ficar longe do mercado de trabalho (ele já tinha se desvinculado da última empresa em que trabalhou uns bons meses antes da viagem, quando já sabíamos que íamos viajar).

A verdade é que queríamos ser menos turistas e mais moradores. Continue reading “Foi assim que viramos nômades…”

Dia de los Muertos – Uma Incursão Antropológica

Na Bolívia, assim como no Brasil, a celebração acontece dia 2 de Novembro. Também chamado de Dia de los Difuntos e para os católicos, Dia de Todos los Santos.

Na semana que antecedeu o feriado, eu fazia uma série de vídeos e entrevistas em La Paz para um documentário que envolve a manufatura de roupas de lã de alpaca e ovelha por mulheres andinas de origem indígena. Tive dificuldades para entrevistar as mulheres porque, além da tradicional timidez andina, elas estavam ocupadas fazendo os pães que seriam oferecidos para os mortos. Na verdade, eu passei a semana inteira ouvindo que as mulheres não podiam me encontrar “porque estavam fazendo pão”. Só no fim da semana que fui entender o ritual. Continue reading “Dia de los Muertos – Uma Incursão Antropológica”

Dia de los Muertos

Hoje é nosso último dia aqui na Bolívia, nosso último dia de visto válido e temos que sair. Nosso plano é voltar em janeiro e passar mais três meses por aqui.

Hoje também é o dia de los muertos. Fui com um grupo de amigos daqui ao cemitério geral de La Paz. O dia dos mortos é o dia de celebrar os mortos que se foram. Não parece em nada um dia triste e além de mim, não vi mais ninguém chorando. Música, oferendas, comida, bebidas e flores, muitas, muitas flores.

Um senhor, me vendo fotografar as oferendas de sua família, que estavam no chão (frutas, biscoitos, pipocas, e t’antawawa – pão feito em forma de pessoa) começou a me explicar as tradições, as oferendas. Depois nos deu parte das oferendas. Queria Continue reading “Dia de los Muertos”

Oi. Voltei.

 

 

Carol, cachorro e Vicente olhando o lago Titicaca do alto do Dragão Dormido em Santiago de Okola

 

Sumi. Eu sei. E tem gente mandando email, mandando mensagem por chat: Quando você vai atualizar o blog??? Não está mais do que na hora de fazer outro post, não???

Bom, explico o sumiço: Ainda em La Paz, fizemos algumas pequenas viagens, ficando sem acesso a internet em todas elas. Depois, saímos de La Paz e fomos para Santa Cruz de la Sierra. A família do Rodrigo foi nos encontrar lá. Chegaram em três dias diferentes, partiram em três dias diferentes. Viajamos com eles. Novamente ficamos sem internet por vários dias. E mesmo quando tínhamos, a conexão era péssima. Um dia, levei 3 1/2 horas para conseguir escrever e anexar 5 arquivos para um editor.

Agora voltei! E vou atualizar o blog. Ainda tem dois posts do Chile. E a Bolívia, ah, a Bolívia. :)  Muitas histórias para contar dos lugares que visitamos, dos trabalhos, das visitas que recebemos!

Aguardem!

Putre, Parque Nacional Lauca e Salar Surire

 

Comecei a escrever este post quando ainda estava em Putre, o pequeno e charmoso vilarejo onde nos hospedamos para conhecer a região que faz fronteira com o Peru e a Bolívia, no extremo norte do Chile. Da janela do quarto do hotel, me distraí do que escrevia, assistindo 3 meninas pastoreando ovelhas. A mais nova, de cabelos curtos e camiseta rosa choque, devia ter uns 5 anos. A mais velha não parecia ter mais do que 12, tinha os cabelos compridos presos num rabo de cavalo. Entraram no terreno e, enquanto as ovelhas pastavam, elas corriam entre as arbustos. A paisagem era bucólica: esqueci-me também da dor de cabeça e falta de ar causadas pela altitude de mais de 3500 metros e, por quase uma hora, fiquei assistindo às meninas trabalhando e brincando.

A maioria das pessoas com quem converso jamais ouviu falar em Putre. Eu mesma, só soube da existência do povoado quando estava em Santiago, em Junho. Nossa anfitriã, com um mapa do Chile aberto sobre a mesa de centro da sala, informava que a região era linda, imperdível e quase massivamente ignorada pelos turistas que, rumo ao Peru ou a Bolívia, chegam a Arica, a última cidade no litoral chileno antes de cruzar a fronteira. Continue reading “Putre, Parque Nacional Lauca e Salar Surire”

Potluck em La Paz

 

Fazer amigos numa cidade nova, num país estrangeiro, é sempre uma loteria. Aqui em La Paz, sinto que tivemos sorte, conhecendo gente que abriu as portas das suas casas depois de termos trocado poucas palavras, baseando-se mais na intuição do que em fatos. Se descobri tanto sobre a cidade, sobre a Bolívia, nestes quase dois meses vivendo aqui, devo isto a estas pessoas maravilhosas que nos acolheram.

Algumas semanas atrás, fomos convidados para um potluck com direito a vinho, cerveja, chá, balinhas de gengibre, celebração de aniversário, novas amizades e conversas até alta madrugada. Tudo isto a 3600 metros de altitude, na Zona Sur, a região nobre aqui da cidade.

Potluck é um encontro, uma festa Continue reading “Potluck em La Paz”

Paulo Coelho, livros piratas e o preconceito

Estamos em La Paz, na Bolívia, onde alugamos um pequeno apartamento nos fundos de um restaurante vegetariano. Dividimos o espaço com um velhinho estadunidense que “desertou” dos Estados Unidos e agora mora (ilegalmente) na Bolívia.

Ainda tenho alguns posts para publicar sobre nossa passagem pelo Chile, mas quis contar esta história da estrada, saída do forno, fresquinha mesmo.

Chegamos em La Paz  no começo de agosto e através de uma amiga querida e fotógrafa incrível, Toni, fizemos amizade com um casal que trabalha com mulheres artesãs e comércio justo. Por eles, acabamos conhecendo outras pessoas, entre elas, a Carly, que escreve um blog super interessante chamado Making Sense of Things (Fazendo Sentido das Coisas).

Ontem fomos convidados para jantar na casa dela. E lá fomos nós para a Zona Sur, a parte baixa de La Paz, bem mais rica do que a parte central onde estamos morando.

Éramos 5 pessoas em volta da mesa, dividindo os pratos deliciosos preparados pela Carly. Além de nós 3 (eu, Rodrigo e Carly), a Dana, que está morando no mesmo prédio que a gente e que trabalha com crianças com deficiência auditiva e acabou de chegar em La Paz para durante um ano letivo dar aulas como voluntária numa escola local, e a Dimelza, uma boliviana que conhecemos através da Carly e que já nos deu muitos ‘insights‘ sobre a cidade, a cultura e povo boliviano. A Dimelza mora faz 5 anos na Espanha, e está terminando um mestrado em Direito.

Em algum momento da noite, estávamos falando de livros e que considerando o custo de vida boliviano e o salário mínimo (que é beeeem mínimo), achamos o preço dos livros elevadíssimo aqui na Bolívia. Concluimos, então, que comprar livros deve ser algo bem inacessível para a população local.

O preço médio dos livros varia facilmente entre 150 e 200 bolivianos (50 a 60 reais). Até em livrarias de usados, os livros são caros (entre 80 e 150, mas chegamos a ver por 200 bolivianos). Eu e o Rodrigo achamos que os livros no Brasil também são caros, mas aqui, são mais ainda (Acabei de pedir para uma amiga trazer alguns livros para mim de São Paulo, e na média, estou pagando R$35,00 por livro).

Dimelza nos contou, então, que tem muita pirataria de livro na Bolívia: tiram uma fotocópia do livro inteiro e vendem-na por 1 a 10 bolivianos (30 centavos a 3 reais).

E aí vem a história que eu quero contar:

A Dimelza tem uma tia que mora em Londres. Numa viagem de visita à Bolívia, a tia encontrou para vender numa barraquinha a coleção inteira traduzida para o espanhol do Paulo Coelho. Por 5 bolivianos. Isto é, um calhamaço de fotocópias dos livros. Comprou o calhamaço e levou na mala para Londres. Continue reading “Paulo Coelho, livros piratas e o preconceito”

Oficina Santa Laura ou Um Pouquinho de História Não Faz Mal a Ninguém

Vende el “huasito” sus vacas,
sus caballos ensillados
porque dicen que en el Norte
ganan plata a puñados.
P’al Norte me voy, me voy
p’al Norte calichero
donde seré un caballero,
de bastón y de “tongoy”.
Canción popular en la época de los enganches*.

A Oficina Salitreira Santa Laura fica a 47 quilômetros de Iquique na região de Tarapacá, no norte do Chile. Oficina salitreira é o nome que recebiam os diferentes centros de exploração que processavam salitre na região que hoje pertence ao Chile.

Nesta região, o sol brilha sempre, incansável. É difícil mesmo encontrar uma sombra durante o dia. Mas assim que o sol se põe, o frio se instala e só vai embora quando o sol aparece novamente no dia seguinte.

Para visitar a oficina, dá para contratar um passeio turístico, mas fomos até lá por conta própria, no carro caindo aos pedaços que tínhamos alugado por uns dias. Avistamos a oficina de longe cercada pelo deserto incandescente. Continue reading “Oficina Santa Laura ou Um Pouquinho de História Não Faz Mal a Ninguém”

Iquique e a região de Tarapacá

Acampando no Parque Nacional Pampa de Tamarugal, uma das nossas noites mais frias.

O relógio mostrava 5:50 da manhã. La Tirana, a principal festa da região, começava naquele dia. Não tínhamos feito reserva em nenhum hotel e todos os números que chamávamos nos informavam que não havia vagas. Tínhamos dormido duas noites no carro em San Pedro de Atacama, o calor e poeira do deserto tinham deixado meu corpo ressecado e sujo e eu ansiava por um banho quente. Sentamos irritados no banco frio da rodoviária, pensando em alugar um carro, mas a loja só abria às 9. A rodoviária oferecia banho ‘sin calefont‘, ou seja, frio. Decidi esperar por uma solução mais conveniente. Continue reading “Iquique e a região de Tarapacá”

Freirina e os Porcos

Flor na região do deserto florido

Freirina é o nome de um pequeno povoado situado na província de Huasco, no chamado “pequeno norte” do Chile. Fundado em 1752, é uma das localidades mais antigas da região. Reúne atualmente cerca de 5 mil habitantes, apenas. Fica na província de Huasco banhada pelo rio de mesmo nome, na III Região de Atacama. O clima é semi-desértico costeiro, sofrendo influências do deserto e do oceano. A população vive da agricultura (cultivo de oliveiras para fabricação de azeite e azeitonas para consumo local e exportação), pesca e turismo. Influenciada pelo Pacífico, a região floresce na primavera: a paisagem árida dá lugar ao deserto florido. Continue reading “Freirina e os Porcos”

San Pedro de Atacama

Estrada de Machuca, San Pedro de Atacama

Sempre imaginamos que San Pedro de Atacama seria um lugar extremamente turístico. Cada um dos viajantes que conhecemos estava a caminho deste lugar.

Talvez, no entanto, não estivéssemos preparados para o que encontramos. Talvez tenham sido os dias passados em companhias agradáveis e despretensiosas em Huasco. Talvez sejamos nós, em nossa tentativa de vivenciar o autêntico e procurar experiências únicas que não tenham sido pré-empacotadas para nossa apreciação (e comodidade).

A região de San Pedro é impressionante e assistimos toda a imensidão inspiradora do lugar de queixo caído, coração palpitante e exclamações de admiração, mas para conseguir fugir dos pacotes pasteurizados das agências de turismo, tivemos que gastar um bom dinheiro. Continue reading “San Pedro de Atacama”

Huasco

 

Barcos decorados com flores para a festa do dia de San Pedro

A experiência na pequena cidade costeira de Huasco – pesqueira e produtora de oliveiras para azeitonas e azeite – se confunde com a experiência de conviver com Pipo, poeta e arquiteto que nos hospedou em sua casa, na zona rural de Huasco Bajo e que na primeira noite já nos recebeu com comida, amigos (Calu, Axel, Yuri), vinho, a arredia gata Picha e Patudo, cachorro intrometido que tentava com determinação, roubar a comida dos nossos pratos. Continue reading “Huasco”

A Estrada. III Región, de Atacama.

Saímos de Carrizal Bajo em direção ao norte, pela costa. O objetivo era chegar até o Parque Nacional Pan de Azúcar, parando em alguns vilarejos ao longo do caminho.

O dia estava maravilhosamente quente e ensolarado na região onde a primavera deixa o deserto florido. Mas é linda mesmo com mais deserto que flores. De um lado, o mar, vasto e azul. Do outro, o deserto e as montanhas. O céu juntando os dois numa só paisagem. Continue reading “A Estrada. III Región, de Atacama.”

Carrizal Bajo

Depois de passar uns dias no Valle del Huasco, conhecendo a região e pesquisando para o artigo sobre mineração, seguimos pela Ruta 5, a principal rodovia aqui no Chile (que corta o país de norte a sul), para um pequeno vilarejo na costa chamado Carrizal Bajo.

Uma amiga, brincando, nos disse que o lugar deveria se chamar Bizarro Bajo, porque era estranho. Fomos ver com nossos próprios olhos.

Chegamos à noite, e rapidamente encontramos uma hospedagem barata no andar superior de um restaurante onde homens comiam e conversavam tomando vinho barato. Para pagar menos, aceitamos um quarto com uma cama de solteiro, o banheiro ficava em outro quarto, desocupado. E uma varanda com vista para o mar. Continue reading “Carrizal Bajo”