Comecei a escrever este post quando ainda estava em Putre, o pequeno e charmoso vilarejo onde nos hospedamos para conhecer a região que faz fronteira com o Peru e a Bolívia, no extremo norte do Chile. Da janela do quarto do hotel, me distraí do que escrevia, assistindo 3 meninas pastoreando ovelhas. A mais nova, de cabelos curtos e camiseta rosa choque, devia ter uns 5 anos. A mais velha não parecia ter mais do que 12, tinha os cabelos compridos presos num rabo de cavalo. Entraram no terreno e, enquanto as ovelhas pastavam, elas corriam entre as arbustos. A paisagem era bucólica: esqueci-me também da dor de cabeça e falta de ar causadas pela altitude de mais de 3500 metros e, por quase uma hora, fiquei assistindo às meninas trabalhando e brincando.
A maioria das pessoas com quem converso jamais ouviu falar em Putre. Eu mesma, só soube da existência do povoado quando estava em Santiago, em Junho. Nossa anfitriã, com um mapa do Chile aberto sobre a mesa de centro da sala, informava que a região era linda, imperdível e quase massivamente ignorada pelos turistas que, rumo ao Peru ou a Bolívia, chegam a Arica, a última cidade no litoral chileno antes de cruzar a fronteira.
Da casa dela, carregamos por 2 meses um folheto sobre o Parque Nacional Lauca, com algumas das inspiradoras fotos que tanto nos fizeram querer explorar os lagos Chungará e Cotacotani, as termas Jurassi e chegar até o salar Surire.
Quando chegamos em Arica, no entanto, e começamos a pesquisar sobre aluguel de carros e hospedagem para conhecermos a região, quase desistimos: nos diziam que só conseguiríamos chegar ao salar Surire de 4×4, o valor do aluguel era absurdo, e as informações desencontradas e incertas. Já estávamos falando em plano B, seguir direto para a Bolívia e ver o lago Chungará de dentro do ônibus, a caminho de La Paz, quando ouvi um casal pedindo informações sobre a região para o dono do albergue onde estávamos hospedados. Ofereci para dividirmos carro e despesas.
Acabamos alugando um pequeno jeep 4×4 e nos hospedando por 4 noites num quarto com duas beliches num albergue em Putre que era tão ruim, tão sujo e tão fedido, que nos referíamos a ele, ironicamente, como The Palace (O Palácio).
Apesar das terríveis enxaquecas por causa da altitude, de acordar todas as noites, no meio da madrugada, sentindo falta de ar, e de, também pela falta de ar, ter que andar num passo absolutamente artificial para mim, nestes cinco dias pela região, pude apreciar intensamente a paisagem de uma forma que quase não consegui fazer em San Pedro de Atacama, por causa do intenso turismo.
No caminho para o Surire, disputávamos a estrada com caminhões que se dirigiam ao salar para retirar sal, e só. Ao redor do Surire, durante um dia todo, vimos apenas um outro carro com um casal de turistas e, mais tarde, uma família, provavelmente de locais, que se banhava numa piscina termal dentro do salar. Fora o guarda do parque, foram as únicas pessoas que vimos naquele dia.
Próximo ao lago Chungará, um rebanho de lhamas pastava calmamente. Aproximei-me devagar, máquina abaixada para não assustá-las e consegui registrá-las mais de perto. Aqui e ali, parávamos para admirar a beleza, para ver as montanhas, a neve, os rebanhos de alpacas, lhamas e vicunhas que cruzavam nosso caminho. Em algum ponto, vimos brevemente uma viscacha e um par de condores. No salar, vimos centenas e centenas de flamingos e, apesar de ariscos e de jamais ter conseguido me aproximar para fotografar, fiquei horas admirando a beleza elegante destes pássaros que vivem em lagos próximos a salares como este que visitamos.
Sentada com as pernas dentro da piscina de água térmica no meio do Surire, experimentei momentos de intensa introspecção, uma paz profunda misturada com uma certa tristeza. Tudo que ouvia era o barulho da água quente brotando por entre as rochas, lágrimas escorriam silenciosas pelo meu rosto. Já sentia saudade das paisagens que me abraçaram por mais de 2 meses no Chile e me preparava ansiosa para nosso próximo destino.
Combinamos que Stephanie e Xavier – o casal de franceses que nos acompanhava – devolveriam o carro em Arica. Nós pegaríamos um ônibus na estrada, e iríamos direto para La Paz, na Bolívia. Putre seria nosso último destino chileno.
Em nossa última manhã, tomamos o café medíocre do hotel caro no qual nos hospedamos em nossa última noite, jogamos as mochilas nas costas e encaramos a pequena aventura de subir pelo menos um quilômetro de estrada, naquela altitude. Fazíamos sinal de carona, mas demorou até uma van particular parar e nos convidar a entrar. Da estrada principal, pegamos o terceiro ônibus que passou em direção a La Paz…
[easyrotator]erc_48_1345693214[/easyrotator]
Atualização!!
Recebi alguns emails pedindo informações mais detalhadas sobre Putre. Resolvi fazer este update para quem está pensando em viajar para lá.
Transporte
Na internet há informações em fórums de viagem sobre a possibilidade de se alugar um carro em Putre. Quando estavámos lá, esta possibilidade não mais existia. Os antigos donos do hotel Chakana, tinham dois veículos, agora estes serviço não está mais disponível.
A solução é alugar um carro em Arica. Europcar, Budget e Hertz são as três empresas grandes de aluguel por lá. Mas há outras menores, por exemplo, a Cactus. Tentamos com esta primeiro, mas achamos que os carros estavam muito velhos (97, 98, 2002, foram o que nos ofertaram) e mal conservados. O fator decisivo, no entanto, foi o Rodrigo e o Xavier (nosso companheiro de viagem junto com a esposa) caírem fora, quando sentiram que estaríamos entrando numa fria.
Todos, e quero dizer, TODOS com quem conversamos nos disseram que seria impossível chegar no Salar Surire sem um 4×4, por isto alugamos um. Na Budget, que foi o mais barato. Não só achamos que seria possível chegar lá com um carro normal, (quando chegamos lá, claro) como VIMOS um casal de turistas estrangeiros num carro sedan baixo. Por outro lado, estavámos lá no inverno, que é seco e a água do rio estava baixa (tem dois rios para cruzar, e claro, foi mais confortável e sem estresse cruzar com o 4×4 do que teria sido com um carro regular).
Também dizem que a estrada para o Salar é deserta. Não é verdade. Ultrapassamos e cruzamos muitos caminhões, que vão ao Surire retirar sal. Mesmo que aconteça alguma coisa, você não estará sozinho.
Hospedagem
Há três possibilidades: ficar em Putre, em Parinacota e no próprio Salar. Em Putre há algumas possibilidades diferentes, em termos de preço e qualidade. Para uma estadia mais confortável, recomendo o Chakana, pequenos chalés afastados do centro da pequena cidade. Hostal Cali, onde nos hospedamos em nossa penúltima noite, tem preço médio e serviço médio (sem café da manhã). O Parinacota Trek é péssimo, mas muito barato, foi nele que dividimos quarto com o casal com quem viajamos. Absoluta e fervorosamente NÃO recomendo o Terrace Lodge. Ficamos ali em nossa última noite. Havíamos mudado o plano de estadia, mas já tínhamos pago a reserva de 2 quartos. Conversamos com a dona do lugar DOIS dias antes de nossa estadia e ela concordou em nos devolver o valor da reserva de um quarto caso alguém se hospedasse nele. Na noite em que nos hospedamos ali, o hotel estava lotado e mesmo assim, ela mentiu dizendo que não tinha conseguido preencher todas as vagas e nos cobrou o valor integral, ou seja, pagamos 1 estadia e meia. E o café da manhã (amplamente divulgado pelos donos como excelente) era medíocre (1 1/2 fatia de pão de forma por pessoa, pequena porção de yogurte com sucrilhos, café com leite e uma fatia de pão doce) para o preço do hotel.
Em Parinacota, um pequeno povoado próximo ao lago Chungará, há um hotel. Não sei como seria a parte de alimentação por lá, porque estamos falando de um povoado realmente pequeno.
No Salar Surire há uma hospedagem do CONAF (fone: 09-77733032, email: miguel.leiva@conaf.cl), o orgão que regulamenta os parques no Chile. No site tem maiores informações sobre a hospedagem. Íamos ficar por lá, mas eu estava sofrendo muitíssimo com a altitude e resolvemos que voltaríamos todas as noites para dormir em Putre, cuja altitude é mais baixa que do lago Chungará e do Salar. É o que recomendo caso algum ou alguns dos viajantes esteja sofrendo para se aclimatar.
É possível ir e voltar no mesmo dia. Foi o que fizemos.
Combustível
Há combustível à venda em Putre.
Alimentação
Vi uma pequena vendinha em Parinacota, e fora isto, os únicos lugares para comprar mantimentos estão em Putre. Levamos coisas de Arica para Putre e cozinhamos no quarto do albergue e na estrada, reabastecendo nas vendinhas híper caras de Putre. Combinamos isto com algumas poucas refeições em restaurantes em Putre (tem 3 ou 4 restaurantes por lá, e todos são bem caros, cerca de 2 ou 3 vezes mais caros do que estavámos pagando no resto do Chile).
Aclimatando-se
Ninguém que nasceu no nível do mar sabe como o corpo vai reagir a diminuição de oxigênio da altitude, mesmo depois de várias subidas na altitude, seu corpo pode ainda assim, ter dificuldades de lidar com as mudanças. PERMITA-SE PELO MENOS DUAS NOITES PARA DEIXAR SEU CORPO SE ACOSTUMAR.
A diminuição do oxigênio pode gerar: dor de cabeça, falta de ar, falta de fôlego, dor no peito, tontura, vômitos, desmaios e… morte. Se chegar na altitude e estiver passando muito mal, o ideal é descer algumas centenas de metros.
Antes mesmo de subir, vá tomando muita água. Chá de coca, mastigar folhas de coca ajudam muito. Enquanto estiver no altiplano e uma noite antes de subir: Não coma carne vermelha e comidas pesadas, a digestão fica muito mais lenta e você pode passar muito mal. Não beba. Não fume. Não faça exercícios pesados (isto inclui sexo selvagem!). Se estiver passando muito mal, procure um posto de saúde, eles poderão te ajudar, dando oxigênio para você respirar.
Há uma frase do altiplano que diz: “Camina lentito, come poquito … y dorme solito”
Se tiver mais dúvidas, por favor, escreva para elaine@elainesantana.com.br.
boa noite
Se possível gostaria de algumas informações sobre o norte do chile. Estou indo para putre em abril, como vc falou muito bem as informações sobre o salar de surire são poucas ou confusas.
– Gostaria de saber se é possível sair de Putre ir até o salar de surire e voltar para putre no mesmo dia.
– Se tem combustível (gasolina) para comprar em putre.
– Não vou alugar um carro 4×4 já que vou em abril uma época sem chuva, será que vou ter dificuldades para chegar ao salar.
Obrigado
José Roberto de Souza
beto.1967@hotmail.com
Oi José Roberto,
1) É possível.
2) Tem.
3) Não sei. Estive na região no fim de Julho e era possível, como disse no meu post, vi um carro sedan por lá.
tus fotografias me son cada vez mas fascinantes, en ellas retartas cada detalle maravilloso, que aun el menos observador no puede dejar de admirar,….solo espero tengamos la oportunidad de vernos nuevamente , que nuestros caminos se crucen otra vez y puedan nuestras familias compartir aunque sea un ratito….besos y miles de bendiciones para ambos
Ah Patricia, Que bonito lo que escribiste! Me encanta que nos conocemos! Besos!
:)
Cara Elaine,
Estou querendo fazer o mesmo que vc. Tinha lido primeiro o relata na tipod. Agora com esse mais detalhada tenho tb mais perguntas.
Por favor:
`Putre foi ponto de partida para todos os lugares que vcs foram de carro?
Viu algum alojamento perto dos parques, principalmente no lago principal?
quanto foi o aluguel do carro?
tinha muitos postos ?
abraço
Yuri, vou te mandar um email, ok? E te respondo tudo. É muita coisa pra um comentário aqui.
Ok já tou parecendo uma tia chata que não para de postar agora… essas suas fotos me convenceram 100% que Atacama não tá com nada mesmo comparado a outros lugares que estão descobrindo.
Depois dessa vou parar de postar tanto, prometo! ;)
Morri de rir com seu comentário. Mas olha, eu vou ser tia chata também e dizer: Eu te disse, eu te disse, eu te disse!
Aaaah, e pode postar, sempre, sempre! Ainda mais comentários que enriquecem a discussão.
Hahaha! Não, José, eu não fotografei aquela bomba! Deveria… Mas é que eu não conseguia ficar muito tempo na parte mais podrona do lugar, a recepção, onde o cachorro mais fedido do planeta passava as noites, junto com hóspedes e seus convidados, que assistiam TV, bebiam e cozinhavam num fogão de duas bocas. De manhã, o mau cheiro e a comida espalhada pelo chão completavam o caos. Eu passava por ali rapidinho, respirando bela boca.
Quanto à legenda, vou tentar incluir amanhã para vc saber por onde passamos nestes dias.
Beijo!
Os hóspedes cozinhavam com seus convidados? Seria um "potluck"?
Hahahaha.
Na verdade, não. No potluck, os convidados já trazem a comida pronta de casa. Neste caso, preparavam sua gororoba ali mesmo. :)
Belas fotos! Só faltaram as legendas. Algumas das casas era o Palácio?