Viver é muito perigoso… Porque aprender a viver é que é o viver mesmo… Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa… O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.
Guimarães Rosa
“Pegar estrada” é sujeitar-se ao desconhecido, não só o desconhecido do mundo que se abre, mas também ao desconhecido dentro de si. Abandonar as certezas não é sempre uma decisão fácil. Mesmo tendo um comprometimento grande de encontrar respostas interessantes para as várias questões da minha vida, muitas vezes, diante da necessidade do novo, sou a primeira a relutar, a me recusar a aceitar as mudanças que eu mesma quis.
Quando começamos esta jornada, em maio de 2012, não sabíamos onde íamos parar, nem quando. Nossa plano inicial era ficar seis meses viajando, plano que rapidamente se mostrou inviável: nenhum de nós dois tem fôlego para ver tudo o que queríamos ver, em tão pouco tempo. Logo em seguida, um ano na estrada parecia tempo de menos e tempo de mais. Explico: de menos para ver tudo, conhecer as pessoas, nos aprofundar. De mais, para o Rodrigo ficar longe do mercado de trabalho (ele já tinha se desvinculado da última empresa em que trabalhou uns bons meses antes da viagem, quando já sabíamos que íamos viajar).
A verdade é que queríamos ser menos turistas e mais moradores. Queríamos viver cada lugar. E ainda assim, continuar nos movendo. E para isto, precisávamos de mais tempo. E trabalho remunerado. A famosa vontade de ‘abraçar o mundo com as mãos’. Decidimos abraçar. O mundo todo, não. Não ainda. Mas a América do Sul, sim.
Resolvemos virar nômades. Assumir o nomadismo para nós mesmos.
Neste meio tempo, entre o momento da decisão, num albergue em Arica, e a prática, muita coisa aconteceu. Muita burocracia para o Rodrigo conseguir acessar o sistema da empresa para a qual ele agora trabalha à distância. Muita adaptação ao novo ritmo. E novas e interessantes experiências. Desta vez, nada de albergues barulhentos, camas desconfortáveis, banheiros compartilhados. Alugamos um pequeno apartamento mobiliado. Em La Paz, tínhamos um grupo de amigos, para sair, jantar, ir a shows, discutir as questões do mundo, viajar. E trabalho. E conhecer a cidade aos poucos, naturalmente. Por lá passamos 2 maravilhosos meses. Eu jamais entenderia La Paz como entendo hoje, se tivesse ficado os tradicionais 5 a 7 dias que os mochileiros normalmente ficam. A cultura andina é riquissima, mas leva tempo para conseguir se apropriar dela. Os andinos são reservados, arredios com estrangeiros.
Viver como nômade é bom, mas nem tudo são flores. Teve o ônibus com baratas, a polícia que tentou nos extorquir num posto de controle, as noites mal dormidas, o cartão clonado, e tantas outras, coisas que perdemos, outras que quebraram, coisas que trocamos, outras que decidimos viver sem. Talvez estes perrengues estejam mais diluídos na vida cotidiana de quem mora numa só cidade, numa só casa. Só que quando eu penso na minha vida, na nossa vida, não consigo mais vê-la como algo momentâneo, como quando tiramos férias para depois de um tempo retornar à rotina de sempre.
Documentar tudo isto tem sido uma diversão e um processo pessoal riquíssimo. A cada post, a cada história, olhar para dentro e para trás, e me perceber, tem uma beleza que é indescritível.
A verdade é que a estrada te transforma, mas talvez eu nunca consiga verbalizar todas as transformações. Outro dia, notei que minha relação com minhas roupas tinha mudado. Um dia eu já achei importante ter muita roupa. E quero dizer muita mesmo. No começo desta jornada, eu sofria de um certo tédio por ter poucas opções. Não sei se hoje eu gastaria tempo ou energia pensando no assunto. Outro dia, notei que um dos meus vestidos está cheio de pequenos furos. Sei que em algum momento vou consertá-los, mas fiquei com um certo orgulho de estar verdadeiramente usando estas roupas, e de elas serem um reflexo externo das experiências que tivemos, dos muros pulados, das pedras sentadas, dos chãos de rodoviária à espera de um ônibus. Talvez um dia eu consiga traduzir em palavras o que é a Elaine de 7 meses atrás e a de hoje, escrevendo numa noite chuvosa cusqueña. E a Elaine que ainda está por vir.
E foi assim que viramos nômade. Sei que de nômade, sempre houve algo em mim, e abraçar este processo foi abraçar esta parte em mim, que no fundo, sempre quis esta vida e não aquela. E por agora, esta sou eu. Estes somos nós.
Posso imaginar as transformações ocorridas em vc nessa vida nômade. Estou me preparando para isso. Desejo-lhe tudo de bom nas andanças. Tenho tb um blog e se vc quizer ver acessa lá mariamakor.blogspot.com.
Viva os caminhos do mundo!
Segue abaixo um poema para um momento de inspiração. Felizes em sempre mantermos bom contato com vc pela estrada. =)
Beijos, André & Signe
The Road Not Taken by Robert Frost
Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I-
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
ai, meu coraçãozinho… tamo chegando, tamo chegando.
beijo gordo!