Nossa segunda visita a região dos Yungas foi feita num carro alugado. Alugar um carro na Bolívia é caríssimo e o preço triplica se houver intenção de ir com o carro para outras regiões. Nosso plano inicial era usar o carro para buscar uma amiga no aeroporto de Santa Cruz, mas desistimos quando vimos o preço, daria para pagar meses de aluguel de um apartamento num bairro central em La Paz. Andar de carro na Bolívia é uma aventura que começa na hora de assinar o contrato com a locadora (dica: leia cada cláusula com atenção e exija que tudo que for discutido com o vendedor esteja escrito no contrato). As estradas têm péssimo estado. Os bloqueios às estradas acontecem com bastante frequência e inesperadamente. Os policiais bolivianos merecem um post só para eles. E tem, claro, a cultura de automobilística local, que era completamente estrangeira para a gente.
Não lembro quantos dias viajamos por aqui. A estrada era lenta, tortuosa e poerenta. Janelas abertas porque o calor só vencia quando o carro estava em movimento. Outros carros passavam e comíamos poeira. Muita poeira.
Além das montanhas maravilhosas, dos abismos, do estado geral dos automóveis, o que mais me chamou a atenção, foram as plantações de coca. Na Bolívia (e depois também vi no Peru), as plantações são feitas em esquema de escada com valas, nos morros. É impressionante. O desmatamento, as queimadas, e essas escadinhas de monocultura intensiva. A produção de coca, em 2013, tinha atingido a maior escala nacional. Os que defendem a produção de coca, garantem que apenas uma pequena parte da produção virará pasta base que será então traficada e transformada em cocaína. O que eles querem dizer com isso é que a maior parte das plantações é de coca que será utilizada para fins legais (pelo menos na Bolívia). De fato, a folha de coca faz parte da vida do andino, faz parte de sua cultura. Eles as usam em chás, as mastigam, e as usam para cura, como tratamento para dor de cabeça. Eu mastiguei muita folha de coca até vencer a ‘soroche’, problemas de saúde advindos da falta de familiaridade com a altitude.
Na nossa primeira noite, nos hospedamos num hotel em uma pequena cidade chamada Irupana. O dono, por coincidência, era brasileiro e nos recebeu com bastante satisfação. Na maioria das cidadezinhas, há feiras abertas. Sempre comprávamos queijos locais e o que encontrássemos de legumes e frutas. As carnes e peixes eram abanadas de vez em quando pelos donos das barracas, no geral, quando nos viam passsando, e a multidão de moscas eram espantadas pelo vento do abanador, fugindo por alguns segundos e retornando para pousar nas carnes escurecidas à venda.
Na segunda noite, dirigimos até uma cidadezinha chamada Chulumani, onde havia um albergue que recebia turistas estrangeiros, mesas, camas, quadros, a decoração desse lugar era realmente interessante. Comida de primeira e preços para turista, nos confortamos com o vinho barato e doce e fomos dormir no colchão de mola velho e torto, o piso do quarto molhado pelo vazamento do banheiro. A bem da verdade, olhando para trás, não havia do que reclamar. O chuveiro tinha água quente, uma raridade. No dia seguinte íamos andar: a filha da dona da pousada nos dissera que em 1 hora de caminhada, chegaríamos à pequena cidade de Ocobaya. Dali iríamos caminhando até chegarmos a um rio, coisa de 20 minutos andando, segundo ela. Andamos muito, muito, a tarde toda e não chegamos nunca ao tal rio. Num certo momento, eu desisti: não queria que anoitecesse e estivéssemos na trilha, porque quase não passavam carros, então, voltamos para o centro da cidade para tomar uma cerveja quente e pegarmos um taxi lotado para voltarmos para Chulumani. Chegamos exaustos, comemos um jantar e tomamos mais vinho para irmos embora no dia seguinte.
Antes de partirmos para a próxima cidade, resolvemos medir, pelo velôcimetro do carro, quanto tínhamos andado no dia anterior: 23 quilômetros!
No dia seguinte, fomos para uma pequena cidade, não me lembro o nome dela, ainda na região… Sentamos na praça, vendo a noite passar, músicos locais, cachorros e crianças, cerveja quente, batata frita.
Sabe o que me chamava atenção nas casas? Os tijolos caseiros, secando ao sol. Daí veio a ideia de construirmos uma casa fazendo nosso tijolos. Existem máquinas, caseiras, de produção de tijolos. Coloca-se o barro, espreme-se a água, retira-se um tijolo que é, então, colocado para secar. Um amigo que fizemos nos prometeu emprestar a sua quando fossemos construir a nossa casa… Na época que termos uma casa era só um sonho muito, muito distante.
De lá fizemos uma rápida passagem por Coripata, o município com uma das maiores populações de afro-bolivianos, descendentes de escravos, e uma das populações mais pobres da Bolívia. Eles assumiram, ainda que parcialmente, a cultura local andina, as mulheres se vestem de cholitas. É interessante, mas não chegamos a conhecer ninguém, apenas vimos algumas pessoas na rua e nem mesmo fotografei, porque às vezes sinto que fotografar é invadir o outro, é torná-lo exótico e estrangeiro, diferente, à revelia dele e do que possa querer, fico tímida e escondo a câmera.
Esse post tem dois slideshows. O segundo foca nas plantações de coca e tem algumas fotos de uma mãe e uma criança, ‘cocaleros’, ensacando coca desidratada ao sol. O primeiro são fotos gerais dessa parte da viagem.
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