Vende el “huasito” sus vacas,
sus caballos ensillados
porque dicen que en el Norte
ganan plata a puñados.
P’al Norte me voy, me voy
p’al Norte calichero
donde seré un caballero,
de bastón y de “tongoy”.
Canción popular en la época de los enganches*.
A Oficina Salitreira Santa Laura fica a 47 quilômetros de Iquique na região de Tarapacá, no norte do Chile. Oficina salitreira é o nome que recebiam os diferentes centros de exploração que processavam salitre na região que hoje pertence ao Chile.
Nesta região, o sol brilha sempre, incansável. É difícil mesmo encontrar uma sombra durante o dia. Mas assim que o sol se põe, o frio se instala e só vai embora quando o sol aparece novamente no dia seguinte.
Para visitar a oficina, dá para contratar um passeio turístico, mas fomos até lá por conta própria, no carro caindo aos pedaços que tínhamos alugado por uns dias. Avistamos a oficina de longe cercada pelo deserto incandescente.
É impossível falar da Oficina Santa Laura e não falar da indústria salitreira, da Guerra do Pacífico e do processo de tomada de território peruano e boliviano por parte do governo chileno.
Então, vamos lá…
O salitre é uma mistura de nitrato de sódio (NaNO3) e nitrato de potássio (KNO3), encontrado naturalmente em grandes extensões na América do Sul, principalmente na Bolívia e no norte do Chile.
Ele é utilizado para evitar a proliferação de bactérias e para realçar a cor dos alimentos em carnes defumadas e embutidos (salsichas, linguiças, salames). Também é usado como fertilizante de plantas.
Só que o grande interesse da Europa e Estados Unidos pelo salitre não tinha nada a ver com adubo ou conservação de alimentos embutidos. Na época, o salitre era usado para produção de pólvora e explosivos.
Diz uma lenda que o salitre na região de Tarapacá foi descoberto quando os indígenas da região fizeram uma fogueira e a terra pegou fogo junto com a lenha. O padre local foi avisado, recolheu umas amostras e foi assim que começou o processo de extração de salitre na América da Sul.
Lenda ou não, a verdade é que uma parte do minério estava em território (região de Antofagasta) cuja soberania era disputada pelo Chile e pela Bolívia e uma parte estava em território que pertencia ao Peru (região de Tarapacá).
A disputa territorial vinha de longa data, com a Bolívia reclamando seu direito de acesso ao mar. Em 1866, através de um tratado, o Chile reconheceu o porto de Antofagasta como pertencente à Bolívia. Em troca, no entanto, o Chile passou a ter livre acesso para exploração de salitre na região pertencente a Bolívia e ao Peru.
Em 1879, porém, o ditador boliviano Hilarión Daza decidiu aumentar os impostos para exportação de salitre, quebrando assim, na visão do governo chileno, o tratado de 1866. As empresas chilenas que extraíam minério na região, recusaram-se a pagar o imposto e o ditador resolveu, então, anunciar o sequestro dos bens pertencentes a elas.
No dia marcado para a execução do sequestro dos bens, tropas chilenas desembarcaram na região para proteger as propriedades. Em seguida, o Chile declarou guerra contra a Bolívia. Era 14 de fevereiro de 1879.
A guerra acabou somente em 20 de outubro de 1883, com cerca de 20.000 mortos, entre civis e militares.
Com o fim da guerra, o Chile anexou a região de Tarapacá e as cidades de Arica e Tacna, que pertenciam ao Peru, que havia recusado-se a permanecer neutro no conflito (em 1873 em segredo, Bolívia e Peru haviam assinado Tratado de Aliança Defensiva), e acabou tendo seu território invadido e aniquilado pelo Chile (Tacna foi devolvida ao governo peruano depois de plebiscito realizado em 1925, mas Arica continua a fazer parte do território chileno, assim como toda o restante da região de Tarapacá). E a Bolívia perdeu, definitivamente, seu acesso ao mar.
Até hoje as relações diplomáticas dos governos bolivianos e peruanos com o governo chileno são tensas. Muitos historiadores bolivianos clamam que grande parte dos problemas econômicos do país se deve ao fato de este não ter acesso ao mar e a Bolívia segue tendo esperanças do governo peruano ou chileno ceder parte do seu território para que esta ganhe acesso ao oceano.
Depois da guerra, o território onde a indústria salitreira estava instalada passou a pertencer ao Chile, mas as empresas que atuavam na região foram criadas com capital majoritariamente inglês e, em menor proporção, alemão e estadunidense.
A Oficina Santa Laura foi construída em 1870 pelo peruano Abraham Guillermo Wendell Tizon. Sem nunca ter produção significativa, depois da Guerra, passou às mãos da The New Tamarugal Nitrate Company. Em função da baixa produtividade, os trabalhos foram novamente paralisados em 1913, e retomados em 1920, quando um novo sistema de extração foi instalado para a empresa “London Nitrate Co. Ltd”.
Santa Laura funcionou até 1961, quando foi abandonada. Nos anos subsequentes, sofreu desgastes do tempo e pilhagens.
Em 2005, foi declarada Patrimônio Histórico da Humanidade e suas ruínas e vestígios nos dão uma boa ideia do que foi a época de ouro do salitre.
Quando descemos do carro, de longe já dava para ouvir o vento balançando as paredes enferrujadas das casas de processamento. Dentro da casa de máquinas, os raios do sol vazavam por entre os buracos nos metais corroídos pelo tempo e o vento estalava as telhas soltas produzindo um barulho metálico constante e estridente.
Na sala de processamento ainda dava para sentir o cheiro de nitrato. E algumas das máquinas tinham ainda um resíduo verde-amarelado, deixado pelo tratamento de salitre.
No lugar onde antigamente funcionava a casa grande, agora funciona um museu e botinas ocupam a mesma vitrina que talheres e outros utensílios de cozinha. Longe do calor insuportável que fazia lá fora, me esbaldei com os objetos encontrados nas escavações dos vestígios deixados por quem passou por lá.
A indústria salitreira entrou em amplo declínio a partir de 1920, quando foi inventado o salitre sintético, que passou a ser usado na fabricação de pólvora. E acabou quase que definitivamente com a crise de 1929. Em pequenínissima escala, ainda existe exploração de salitre na região.
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Tradução da canção no início do texto: Vende o homenzinho do campo as suas vacas, | seus cavalos selados, | porque dizem que no Norte, | ganha-se “grana” aos punhados. | P’o Norte eu vou, eu vou, | p’o Norte salitreiro, | onde serei um cavalheiro, | de bastão e de chapéu.
o slideshow tá show! ;-)